Essa história faz parte de uma jornada que sempre sonhamos em fazer. Com o projeto Histórias Brasil Adentro, estamos finalmente na estrada, percorrendo as cinco regiões do país para descobrir e celebrar os múltiplos jeitos de morar que só o Brasil tem. Cada matéria desta série é uma parada em busca de casas com alma, que falam sobre pertencimento, memória e identidade. Seja bem-vindo à nossa viagem!
Quando o historiador Randy Rodrigues e a gerente corporativa Monika Miccione começaram a busca pelo apartamento onde vivem hoje, eles tinham uma certeza: queriam um imóvel no trajeto do Círio de Nazaré. Mais do que uma festa, o Círio é o coração de Belém, uma procissão que move a cidade inteira em devoção a Nossa Senhora de Nazaré, padroeira do Pará, e transforma as ruas em uma grande celebração.
Para além disso, os dois têm uma relação profunda com a cidade. Monika nasceu em Macapá, mas vive em Belém desde os 9 anos e foi ali que construiu suas principais histórias, pessoais e profissionais. Randy é carioca apenas no papel: filho de paraenses que haviam tentado a vida no Sudeste, voltou para Belém com apenas três meses de idade. Desde criança, ele se fascina pelos contrastes e pelo movimento da capital paraense.
Por fim, a busca os levou ao lugar perfeito: “O edifício fica justamente na via onde a Berlinda de Nossa Senhora recebe a maioria das homenagens. Quando vimos a vista do apartamento, com a Praça da República e o Theatro da Paz à frente e a Baía do Guajará ao fundo, nos apaixonamos de cara”, Randy diz.
A luz natural e o piso de madeira original, é claro, também ajudaram nessa identificação com o apartamento. Mesmo com muitos cômodos compartimentados e uma cozinha isolada da sala, o potencial era enorme – bastava um bom projeto. Assim o casal confiou a reforma ao Estúdio Bohho, dos arquitetos Yuri Rebello e Luiz Rabelo, que já admiravam pelo trabalho desenvolvido no Museu de Arte de Belém.
Durante o projeto, a cozinha ganhou destaque, incluindo uma nova janela de vidro canelado inspirada nos balancins originais das escadas de serviço e o piso que homenageia a cultura amazônica: ladrilhos hidráulicos com grafismos marajoaras, uma referência direta às cerâmicas produzidas pelos povos que habitaram a Ilha do Marajó. Já os azulejos da varanda, inspirados em Athos Bulcão, foram ideia de Monika e aplicados propositalmente em uma paginação que remete ao movimento das águas dos rios.
Além da arquitetura, o lar reflete a relação afetiva do casal com a região onde vive. Pelas paredes, esculturas feitas com madeiras reaproveitadas de embarcações fazem referência ao cotidiano ribeirinho. Já as cestarias e objetos produzidos por diferentes povos, como os Zo’é, os Kaiapó e comunidades do Rio Arapiuns, revelam a diversidade da arte feita à mão na Amazônia.
Entre os objetos favoritos do casal está a coleção de jamaxins, uma espécie de mochila usada para carregar lenha, caça ou até animais de estimação; o “Cabeçudo” de São Caetano de Odivelas, figura típica do carnaval e das festas juninas; além dos bancos do projeto Depois da Maré, do Estúdio Bohho, criados em parceria com o artista e marceneiro Josiel Silva a partir da madeira de embarcações. Nas paredes, uma fotografia de Bimba Neto retratando o Carnaval das Águas em Cametá, e a obra “As Meninas Moçambique”, de Márcio Sintra, completam o cenário.
“Os objetos da nossa casa são carregados de memória e ocupam um espaço que traduz a nossa identidade. As réplicas das cerâmicas tapajônicas lembram que a ocupação da Amazônia é milenar e refletem o orgulho que tenho em trabalhar com pesquisa arqueológica na região. Os livros sobre arte, história e arquitetura mostram a paixão da Monika por arte brasileira. A imagem de Nossa Senhora Maruja, do artista plástico João Cirilo, com pele preta e trajes de maruja, festejo tradicional de Bragança realizado em homenagem a São Benedito, reflete a devoção da Monika à Nossa Senhora de Nazaré e sua paixão pelo Círio”, conta Randy.
Nos momentos livres, o casal gosta de cozinhar, ouvir música e reunir amigos. A especialidade da casa? Um arroz com caranguejo, tucupi, camarão e jambu que faz sucesso entre os convidados. Porém, entre uma visita e outra, é importante lembrar que os verdadeiros donos do lar são os cachorros Tito e Lua, que amam a brisa do Rio Guamá soprando pela janela do apê.
Entre os momentos mais felizes vividos no apartamento, Monika e Randy se lembram do que os motivou a estar ali: dois dias depois da mudança oficial, eles acompanharam o primeiro Círio na casa nova, o que deu um gostinho especial para a inauguração. E assim, o espaço deixou de ser apenas um novo endereço e se tornou a tradução exata de como eles desejam viver: em um lar com raízes fincadas no coração pulsante de Belém.
3 dicas da região
Monika e Randy compartilharam com a gente algumas dicas fora da caixa que só quem realmente vive Belém no cotidiano poderia saber. Vem descobrir!
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Um passeio
“Nossos finais de semana têm sido na Ilha de Cotijuba, onde curtimos reggae no Bar Quem Mandou, na Praia Funda, e a roda de carimbó no Mirante da Pedra Branca”.
Um restaurante
“Comida boa é no Alvorada, um restaurante escondido no bairro da Campina, que serve uma caldeirada de filhote ou pescada amarela dos deuses”.
Um rolê
“No sábado à tarde, o samba no Mercado do Sal tem gosto especial no bar da Dona Souza, onde comemos o melhor caranguejo toc-toc da cidade”.
Texto por Yasmin Toledo | Fotos por Leila Viegas
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