Essa história faz parte de uma jornada que sempre sonhamos em fazer. Com o projeto Histórias Brasil Adentro, estamos finalmente na estrada, percorrendo as cinco regiões do país para descobrir e celebrar os múltiplos jeitos de morar que só o Brasil tem. Cada matéria desta série é uma parada em busca de casas com alma, que falam sobre pertencimento, memória e identidade. Seja bem-vindo à nossa viagem!
Quem passeia pelo bairro de Apipucos, no Recife, logo nota o charme do conjunto de casas coloniais em uma área tombada da cidade. É fácil se encantar com a arquitetura das fachadas, mas, para além da beleza inicial, o que poucos sabem é que uma das casinhas guarda muito mais: ela abriga o mundo inteiro de Carlos Augusto Lira, arquiteto de profissão e um dos maiores colecionadores de arte de Pernambuco.
Carlos também é fundador do Instituto Lira, criado para compartilhar com o público o acervo reunido ao longo de sua vida. Em seu livro A lírica de Carlos Augusto Lira, ele conta como nasceu sua paixão tanto pela arquitetura quanto pela arte a partir de uma mesma motivação: o encanto pela beleza.








Desde pequeno, ele gostava de visitar casas de parentes e vizinhos apenas para admirar o que encontrava dentro delas, como móveis antigos e outras relíquias. A profissão foi uma consequência natural desse olhar, parte de uma busca pela beleza que só cresceu quando ele conheceu o universo da arte. Hoje, seu acervo reúne centenas de peças brasileiras e estrangeiras, de diferentes materiais, épocas e estilos.
Na trajetória profissional, arquitetura e arte sempre conviveram em diálogo. Carlos se orgulha de saber que muitas pessoas vivem em casas projetadas por ele e também carrega em seu currículo projetos institucionais ligados à cultura, como o conceito e a cenografia do Carnaval do Recife e da Fenearte (Feira Nacional de Negócios de Artesanato).










Dentro de casa, esses interesses se espalham por todos os cômodos. Morada de Carlos há 52 anos, a construção foi reformada logo que ele se mudou, respeitando tanto as necessidades de sua família quanto as restrições da área tombada. Desde então, o espaço foi se transformando junto com ele, acompanhando fases distintas da vida – dos filhos pequenos aos dias de hoje.
Para quem visita, a primeira impressão pode ser a de entrar em um museu, mas logo essa ideia se desfaz: o protagonismo das obras, espalhadas por cada canto, se mistura à liberdade e ao aconchego da vida cotidiana, criando uma atmosfera única, bem diferente de uma galeria de arte. Carlos adora receber e faz questão de agradar os convidados com flores frescas e até mesa de doces. E mesmo morando sozinho, nunca se sente só: as peças da coleção são sua companhia constante, muitas com olhos, nariz e boca.
Em seu livro, ele brinca: “Eu acho muita graça quando penso na quantidade de ‘gente’ que dorme ali comigo! Por uma questão de pudor, eu nunca coloquei peças no meu banheiro”. E completa: “Eu viajo muito, mas sempre gostei de voltar para a minha casa e, quando eu volto, eu tenho a impressão de que a coleção está mesmo me esperando; e as coisas, doidas para saber se vem mais alguém nas malas”.










Até hoje, a beleza é o critério principal de sua curadoria, independentemente de o artista ser famoso ou anônimo. Entre os destaques estão a coleção Inca, os vidros franceses, os santos de roca e obras de Francisco Brennand, Cícero Dias, José Claudio, João Câmara, Miguel dos Santos e Gilvan Samico.
Mas a casa não conta apenas sua história como colecionador. Entre as memórias mais especiais, estão aquelas ligadas à criação dos filhos, que cresceram convivendo com tantas obras e aprendendo com as histórias que elas carregam. Aliás, em um lar como o de Carlos Augusto Lira, o nome “Histórias de Casa” ganha ainda mais sentido, afinal, quantas narrativas se escondem entre a arquitetura, as rotinas familiares, a arte popular e o entrelaçamento de todos esses universos?
Texto por Yasmin Toledo | Fotos por Felco
O post Viver entre obras de arte: a casa de Carlos Augusto Lira apareceu primeiro em Histórias de Casa.



